Crítica | Thunderbolts é o Melhor Filme da Marvel em Anos – Entenda Por Quê

Desde o lançamento de Vingadores: Ultimato em 2019, o subtítulo daquele épico da Marvel pareceu, ironicamente, um epitáfio precoce para o próprio estúdio. Não que a Marvel tenha deixado de ter sucessos desde então – Homem-Aranha: Sem Volta para Casa e Deadpool & Wolverine provaram o contrário –, mas o senso de coesão narrativa e o entusiasmo generalizado do público se dissiparam. O chamado Universo Cinematográfico Marvel (UCM) entrou numa era de tentativas, nem sempre bem-sucedidas, de reencontrar seu próprio centro. E Thunderbolts é, talvez, o esforço mais honesto e revigorante nesse sentido.

Dirigido por Jake Shreier, com roteiro de Eric Pearson e Joanna Calo, Thunderbolts parece consciente desse “vácuo” criativo e emocional que ficou no pós-Ultimato. E não é coincidência que o vilão aqui se transforme justamente em uma entidade chamada “Vácuo”, uma personificação monstruosa do vazio. O mesmo vazio que ronda emocionalmente boa parte dos personagens – figuras marcadas por trauma, desilusão e pela falta de um propósito claro num mundo que não é mais o dos Vingadores.

Diferente das grandes epopeias da chamada “Saga do Infinito”, Thunderbolts adota um tom pé no chão. Os personagens não são deuses. Não são invulneráveis. São soldados abandonados, espiões descartáveis, armas vivas que não se encaixam mais no grande tabuleiro. São figuras quebradas que não pediram para estar ali – e que, como descobrimos, foram reunidas não para salvar o mundo, mas para serem silenciadas. O filme se permite ser sujo, cínico, até desleixado. Mas é justamente nesse caos que reside seu charme.

A missão que une Yelena Belova (Florence Pugh), John Walker (Wyatt Russell), Ava/Ghost (Hannah John-Kamen), Treinadora (Olga Kurylenko), e o enigmático Bob (Lewis Pullman) se revela uma cilada, um acerto de contas arquitetado pela manipuladora Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus, afiada). A reviravolta não está apenas na traição, mas na transformação do esquecido Bob em uma arma quase divina, o Sentinela, cuja queda psíquica culmina no surgimento do Vácuo. A batalha final contra essa entidade é menos sobre explosões e mais sobre o colapso mental de alguém que perdeu o sentido – o que espelha os conflitos internos dos demais personagens.

Florence Pugh lidera o elenco com carisma, timing cômico impecável e uma carga emocional que eleva o filme a outro patamar. Sua Yelena, ferida pela violência e em busca de propósito, é o coração do longa. David Harbour retorna como o Guardião Vermelho e entrega não só o alívio cômico, mas também uma figura paterna falha, nostálgica e ridícula. Sebastian Stan como Bucky traz peso dramático, e Wyatt Russell faz um John Walker digno de pena e desconfiança. Olga Kurylenko entra muda e sai calada. O elenco inteiro se apoia na fragilidade dos personagens, não em seus poderes.

O roteiro, por vezes, escorrega na dependência de tramas anteriores. Boa parte do desenvolvimento emocional dos protagonistas vem de filmes ou séries como Viúva Negra e Falcão e o Soldado Invernal, o que pode dificultar o envolvimento pleno de novos espectadores. Ainda assim, Thunderbolts se sustenta narrativamente como uma história de redenção, abandono e reconstrução.

Compará-lo ao Esquadrão Suicida é uma armadilha comum, mas imprecisa. Enquanto aquele é centrado em criminosos utilizados como ferramentas descartáveis pelo governo, Thunderbolts se aproxima mais da dinâmica de Patrulha do Destino ou até de Guardiões da Galáxia: indivíduos marginalizados, emocionalmente instáveis e que não foram feitos para estar juntos – mas que, por acidente, acabam se tornando uma família improvisada.

O próprio arco da equipe remete estruturalmente ao Vingadores de 2012: personagens que inicialmente operam em separado, depois se confrontam, desconfiam uns dos outros, até finalmente se unirem diante de uma ameaça de escala global – no caso, o Vácuo envolvendo Nova York em escuridão. Só que aqui, a ameaça é também simbólica: o vazio existencial, a depressão, o luto pela era dos heróis e a tentativa de encontrar sentido em meio ao cinismo. Há uma cena em especial – Yelena encarando o nada, em silêncio – que encapsula esse espírito melancólico melhor do que qualquer cena de ação.

Apesar de sua estrutura convencional, o filme se arrisca em tons surrealistas – especialmente no ato final –, evocando o absurdo de Quero Ser John Malkovich ou o lirismo psicológico de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças. Esses lampejos tornam o clímax algo mais do que a tradicional explosão digital: é uma batalha pelo significado, pelo resgate de um propósito, mesmo que imperfeito.

Thunderbolts não redefine o gênero. Mas tampouco tenta. Em vez disso, entrega algo que a Marvel vinha perdendo: humanidade. E ao fazer isso, lembra que, em tempos de deuses ausentes, talvez tudo que reste sejam os restos – e a coragem de colá-los com cola velha, piadas afiadas e uma dose de desespero redentor.

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