O filme é uma realização técnica impressionante. Utilizando as mesmas técnicas de CGI fotorrealista vistas no remake “live-action” de O Rei Leão (2019), dirigido por Jon Favreau, esta história de origem sobre Mufasa – pai de Simba e cuja morte impulsiona a trama do filme original de 1994 – é um espetáculo visualmente deslumbrante. Sob a direção de Barry Jenkins, cineasta responsável por dramas indies, incluindo o premiado Moonlight (vencedor de três Oscars) e Se a Rua Beale Falasse, Mufasa: O Rei Leão apresenta um avanço notável nas capacidades de renderização da animação por computador.
O nível de detalhe é extraordinário: não apenas a textura dos pelos é capturada, mas também o movimento dos músculos e tendões por baixo deles. Elementos como água, gelo e até mesmo as refrações de luz em uma gota ou cristal são representados com precisão impressionante. Além disso, o filme supera a falta de expressividade facial dos personagens que foi criticada no remake de 2019. Os olhos límpidos e âmbar de Mufasa, dublado com imponência por Aaron Pierre, quase parecem revelar sua alma – embora o próprio conceito de “alma” esteja notavelmente ausente nessa obra visualmente magnífica, mas emocionalmente calculada.
As tentativas de humor, conduzidas por Timão e Pumba, não são as mais inspiradas. Isso destaca uma lição importante na era das produções baseadas em propriedades intelectuais de grandes estúdios: por mais amado que seja o material original e por mais exorbitante que seja o orçamento (estimado em mais de US$ 200 milhões), o resultado final depende da qualidade do roteiro. Neste caso, o texto de Jeff Nathanson é sentimental demais, derivativo e excessivamente sério, reutilizando temas e elementos já explorados nos filmes anteriores.
A narrativa central gira em torno do relacionamento tumultuado entre dois irmãos, um tema clássico que remonta ao relato bíblico de Caim e Abel. Recentemente, essa ideia de amizades ou laços iniciais que evoluem para rivalidades tem sido explorada em outros filmes, como Transformers: O Início, que aborda as origens da rivalidade entre Autobots e Decepticons, e Wicked, adaptação de O Mágico de Oz, que detalha como a amizade entre Elphaba e Glinda se transforma em antagonismo. Mufasa se junta a essa tendência de prequels que investigam como relações inicialmente baseadas em companheirismo podem evoluir para conflitos profundos.
Essa dinâmica é intensificada pela circunstância de Mufasa e Taka, um jovem príncipe leão de nascimento nobre, não serem irmãos biológicos. Mufasa, separado de seus pais por uma enchente quando ainda era filhote (interpretado por Braelyn Rankins), é resgatado por Taka (dublado por Theo Somolu na infância e Kelvin Harrison Jr. na juventude) e posteriormente adotado pelo bando. A música “I Always Wanted a Brother”, uma das mais marcantes da trilha sonora composta por Lin-Manuel Miranda, celebra esse vínculo fraternal adotivo.
No entanto, nem todos o aceitam. O pai de Taka, líder do bando, banha Mufasa para viver entre as leoas, onde ele aprende a caçar e rastrear. Enquanto isso, Taka, usufruindo do prestígio do círculo masculino, pouco absorve além da arte de cochilar o dia inteiro. Quando o bando é ameaçado por um clã de felinos albinos liderado pelo vingativo Kiros (Mads Mikkelsen), que busca exterminar todos os leões, Taka percebe sua incapacidade de liderar. Sob ordens de seu pai, ele foge para preservar a linhagem, com Mufasa como seu guardião fiel.
Ao longo de uma jornada que atravessa cenários diversos – quase como uma demonstração da versatilidade da tecnologia CGI –, eles encontram Sarabi (Tiffany Boone), uma jovem leoa que também perdeu seu bando para os ataques de Kiros. A chegada de Sarabi intensifica a rivalidade entre Mufasa e Taka, agravando os sentimentos de inadequação do último.
Embora bem executado, o filme carece de uma identidade autoral marcante. Sequências de ação, como o resgate de Mufasa no rio, são visualmente impactantes, e as músicas de Lin-Manuel Miranda são cativantes.
Mufasa: O Rei Leão é um prelúdio competente, mas é mais do mesmo. Vai de você encarar isso como um problema ou não.
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