Karatê Kid: A Hora da Verdade (1984)

 


Quando estava lá pela primeira ou segunda série do primário, era comum, no recreio, os garotos disputarem o papel de Daniel San nas brincadeiras que imitavam o filme Karatê Kid: A Hora da Verdade. Afinal, todos queriam ser o sujeito desacreditado que era provocado pelos valentões, dava uma surra neles e ficava com a garota dos sonhos no final. No caso, uma loira linda, linda, linda, chamada Ali, que em nosso universo era interpretada por alguma das meninas mais paqueradas da classe.

A história, todos conheciam de cor. Daniel Larusso (Ralph Macchio), jovem de cidade pequena, muda junto com a mãe para um município maior. Ao chegar à nova escola, logo na primeira festa (na praia) que vai, decide flertar com Ali (Elisabeth Shue) que, para azar dele, é a ex-namorada do valentão do colégio e lutador de karatê Johnny (William Zabka), líder de uma espécie de ganguezinha de playboys. Após apanhar de Johnny, Daniel, rapaz sensível e um tanto tímido, vai conquistando o coração da garota e é perseguido constantemente pela turma do algoz, formada por alunos da academia Cobra Kai, comandada pelo sensei inescrupuloso John Creeze (Martin Kove).    

Numa dessas perseguições, depois de apanhar feio e cair inconsciente, Daniel é salvo por um velhinho simpático da vizinhança, que consertara sua bicicleta e se revela um grande lutador de karatê: Mr. Miyagi (Pat Morita).  Sozinho, Miyagi derrota os jovens vilões e faz um acordo com Kreeze: nenhum dos alunos da Cobra Kai irá encostar o dedo em Daniel até a realização do torneio regional. E, para participar da competição, o bom velhinho passa a treinar Daniel. Da relação mestre-aluno, nasce uma grande amizade.


Karatê Kid: A Hora da Verdade (The Karate Kid, 1984) foi o típico filme juvenil dos anos 1980, parte de uma leva de produções cinematográficas que marcaram uma geração, como Curtindo a Vida Adoidado e De Volta para o Futuro. Virou febre entre a garotada, ganhou uma linha de bonecos, desenho animado, e se transformou numa franquia. Até Silvio Santos, sempre ele, resolveu tirar casquinha do filão, mudando, na cara de pau, o título da série televisiva Ohara (cujo personagem título, um veterano policial, era interpretado por Pat Morita) para Karatê Kid Ohara, sendo que a única ligação entre o seriado e a franquia do cinema era a presença do veterano ator. No entanto, se analisado com mais atenção, percebemos que o longa ultrapassa a mera “aventura de artes marciais”.

Dirigido pelo subestimado John G. Avildsen, vencedor do Oscar por Rocky, Um Lutador (1976), outro filme sobre alguém que supera todas as expectativas, Karatê Kid foi contra a maré de muitas outras produções dos anos 80, auge da Era Reagan, que mostravam estadunidenses ditando os passos em outros países - inclusive Rocky IV, quando o personagem de Sylvester Stallone é aplaudido pelo Primeiro Ministro soviético, na União Soviética, após derrotar um soviético!

No caso de Karatê Kid, o protagonista é dos EUA (Daniel) sim, mas é ensinado por um japonês imigrante (Miyagi). Apesar do roteiro contar com o velho romance entre a garota rica (Ali) e um jovem plebeu (Daniel), a relação principal da trama, que sensibilizou pessoas em inúmeros países, era aquela entre Daniel e seu mestre. Uma amizade entre seres humanos com idades completamente diferentes. Relação de pai e filho. Amor fraternal.


Tudo isso somado à velha mensagem “todos podem vencer”, com certa ingenuidade, alguma ação, trilha sonora memorável de Bill Conti (repetindo a parceria de Rocky com o diretor Avildsen) e boas doses de humor, serviu para que a obra fizesse sucesso de público e até rendesse parte da crítica - o grande Roger Ebert deu nota máxima em texto publicado no Chicago Sun-Times.  Êxito surpreendente para um filme que tinha um elenco desconhecido internacionalmente.

Apesar de longeva carreira, Pat Morita (1932-2005) até então era um ator de comédias, principalmente em TV (fez até ponta na antiga série do Hulk). Porém, seu desempenho como Mr. Miyagi beirou a perfeição: seus métodos de ensino são divertidos e inusitados. Com ele aprendemos a importância do equilíbrio em nossas vidas.  O ator tem carisma, humor e autoridade, auxiliado pelo roteiro de Robert Mark Kamen e suas ótimas tiradas. O reconhecimento veio com indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro de Ator Coadjuvante.

Ralph Macchio, que um ano antes foi revelado em Vidas sem Rumo, de Francis Ford Coppola, na mesma leva de novos talentos que deu ao mundo Matt Dillon, Tom Cruise, Diane Lane, Patrick Swayze e Emilio Estevez, em 1984 já beirava os 24 anos, idade avançada para o personagem adolescente. Mas ninguém sentiu a diferença e o ator serviu como uma luva para viver Daniel. Depois, de importante mesmo ele só teria as atuações nas continuações de Karatê Kid e Meu Primo Vinny (1992), ficando relegado a papeis menos importantes no cinema e presença em seis episódios da série Betty, a Feia, entre 2008 e 2009, até o retorno triunfal como Daniel décadas depois na série de sucesso Cobra Kai. Quem se tornou mais conhecida foi Elizabeth Shue (também com mais de 20 anos quando Karatê kid foi lançado), tanto pelo desempenho em filmes legais - Cocktail (1988), no qual dividiu a tela com Tom Cruise, e Despedida em Las Vegas (1995), que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz -, como também pelo seu jeito maluquete.


Apesar das idades avançadas do casal protagonista para encarnarem personagens teen, Karatê Kid levou dois prêmios no Young Artist Awards, nas categorias Melhor Filme Para a Família, e Melhor Nova Atriz Coadjuvante (Elizabeth Shue). Entre os oponentes, William Zabka vai além do vilão caricato costumeiro da década de oitenta e confere dramaticidade a Johnny. E a relação dele com os demais Cobras soa verdadeira. No documentário que acompanha o DVD os atores dizem que viraram amigos de verdade durante as filmagens e andavam juntos dia e noite. 

Há falhas visíveis em coreografias das lutas - numa delas, no último embate, quando Daniel vai golpear Johnny com um chute parece que ele oferece a perna para o rival segurá-la e contra golpear. Ainda assim o longa é um clássico à sua maneira. O “golpe da águia” virou hit entre a molecada. Frases ditas por Mr. Miyagi durante os treinos de Daniel tornaram-se célebres.

Já algumas cenas são antológicas. Como a que Miyagi, apenas num golpe, quebra as pontas de três garrafas, e aquela em que ele esfrega as mãos para “curar” a perna do pupilo antes do combate decisivo.

Até a dublagem brasileira marcou época. Um dos raros casos em que o trabalho de dubladores é lembrado com carinho no Brasil. São fatores que parecem bobos para alguns, mas que para muita gente gera uma grande saudade.


Reprises e reprises foram exibidas na Sessão da Tarde, Temperatura Máxima, Intercine, etc (há um box difícil de encontrar com a trilogia original em DVD). Com o sucesso, três continuações foram produzidas.

Karatê Kid 2: A Hora da Verdade Continua (1986) levou Daniel e Miyagi ao Japão, num enredo mais dramático. O jovem deparava-se com um inimigo “real”, que pretendia matá-lo.

No inferior, porém não menos emocionante, Karatê Kid 3 – O Desafio Final (1989), a dupla retorna aos EUA e reencontra John Creeze, que pretende vingança e reabrir a Cobra Kai.

Ainda foi realizado o menos conhecido Karatê Kid 4: A Nova Aventura (1994) sem a presença de Ralph Macchio e com Miyagi treinando a garota interpretada por uma certa Hilary Swank, que depois venceria duas vezes o Oscar, por Meninos Não Choram (1989) e Menina de Ouro (2004).

Até Will Smith percebeu o potencial universal da franquia e decidiu produzir, por meio de sua empresa Overbook Entertainment, em parceria com o produtor Jerry Weintraub (Onze Homens e um Segredo) a boa refilmagem de 2010 que manteve a essência do original, transportando a trama para a China, com seu filho Jaden Smith no papel de Dre (que seria Daniel) e Jackie Chan na pele do mestre. Em 2018 Daniel e Johnny retornariam na excelente série Cobra Kai. O resto história...

Sobre aquelas brincadeiras relatadas no início desse texto, que preenchiam nossos tempos livres quase três décadas atrás? Pois é, atualmente são motivos de conversas de bar entre marmanjos que se emocionam quando lembram do filme. Bons tempos aqueles.

Karatê Kid: A Hora da Verdade
The Karate Kid. 
Estados Unidos. 1984. 
Direção: John G. Avildsen. 
Com Ralph Macchio, Pat Morita, Elisabeth Shue, Martin Kove, William Zabka, Randee Heller, Ron Thomas, Rob Garrison, Chad McQueen, Tony O’Dell, Israel Juarbe. 
126 minutos. 




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