Comando Para Matar (Commando, 1985)

 



Poderia ser há muito tempo atrás, numa galáxia muito distante. Ou numa realidade paralela. Mas existiu de verdade e eu estava lá.

No século XX houve algo chamado década de oitenta. Período da história no qual apresentadoras de programas infantis ora apareciam seminuas, ora faziam bullying na plateia infantil, bandas de rock – nestes mesmos programas infantis – cantavam “eu quis comer você”, crianças estampavam embalagens de cigarrinhos de chocolate, entre várias situações politicamente incorretas que atualmente fariam mães e pais enlouquecerem.

Um outro “fenômeno” dessa época foi o cinema brucutu, ou o cinema do “exército de um homem só”. Consistia basicamente no sujeito fortão, de preferência dos Estados Unidos, de moral inabalável, que ia para algum país do continente americano ou na Ásia – de preferência uma ilha ou no meio da selva – dizimar centenas de inimigos.

Tempos de Era Reagan na presidência dos Estados Unidos. Latinos, soviéticos, asiáticos eram os inimigos. Os grandes astros desse tipo de filme: Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger.

Como tudo que dá certo financeiramente e vira moda, os dois geraram subprodutos. E dá-lhe filmes estrelados por Chuck Norris (Braddock), Michael Dudikoff (American Ninja), Dolph Lundgren (Soldado UniversalJusticeiro), Jean-Claude Van Damme (O Grande Dragão branco, Kickboxer), Steven Seagel (Nico: Acima da Lei), Wesley Snipes (Passageiro 57) e outros.


De todos esses, só Wesley Snipes – e Van Damme com boa vontade – realmente integrou o primeiro time de Hollywood. Os demais faziam sucesso em produções B, que iam muito bem no mercado de home vídeo, telefilmes, mas alcançavam o grande público no Brasil pela TV aberta, nas Telas Quentes da vida.

Tínhamos a impressão de serem grandes estrelas. Sabe aqueles versos da música Geração Coca-Cola, da Legião Urbana? “Quando nascemos fomos programados a receber o que vocês, nos empurraram com os enlatados dos USA das nove às seis”. Pois é.

Poucos conseguiam ter atuações no mínimo decentes. Precisavam somente mostrar os músculos (exceto Seagal, sempre fora de forma), dizer algumas frases de efeito e, quando conseguiam, ter algum carisma. Ficávamos felizes! Éramos crianças, não tínhamos senso crítico. Se bem que muitos adultos daqueles anos não pareciam ter senso crítico (e até hoje não têm). Anos depois perceberíamos os tons de xenofobia, misoginia daquelas histórias, capazes de levarem Donald Trum ao orgasmo. Na ocasião, porém, queríamos ver explosões, lutas, e o herói ficando com a garota no final. Não importa quem fossem os vilões ou como eram retratados.

Essa onda ocorreu num momento em que os Estados Unidos precisavam “vingar” o Vietnã. Não raras vezes os protagonistas iam resgatar ex-prisioneiros de Guerra na nação asiática e destruir tudo o que havia pela frente. Também precisavam retratar o “terceiro mundo”, a ameaça comunista etc. Na década seguinte à explosão dos filmes de kung fu, tão populares nos cinemas baratos dos subúrbios americanos, que também influenciou o hype do cinema de ação oitentista.


Mr. Universe e Mr. Olympia, o austríaco Arnold Schwarzenegger transformou-se num ator notadamente limitado. Entretanto, da sua geração foi quem conseguiu desenvolver uma das carreiras mais diversificada neste segmento. Interpretou bárbaro adaptado dos gibis (Conan), androide vindo do futuro (franquia Exterminador do Futuro), enfrentou alienígena na Amazônia (O Predador), viajou à Marte fazer justiça e encontrar a amada (O Vingador do Futuro).

Um dos grandes sucessos do astro é justamente um filme que não tinha nada de diferente do contexto geral. Na verdade, soava subproduto de Rambo: Programado Para Matar (1982).

Comando Para Matar (Commando) é testosterona pura. O roteiro é de Steven E. de Souza, a partir de história dele e Matthew Weisman e Joseph Loeb III. Este último é mais conhecido dos fãs da DC e da Marvel por Jeph Loeb, de histórias em quadrinhos importantes (Batman: O Longo Dia das BruxasBatman Silêncio), e produtor televisivo das séries DemolidorLegiãoAgentes das SHIELDJessica Jones, etc.

Steven E. de Souza escreveria outros longas do gênero ação de destaque dos anos 1980: 48 Horas (1982), Duro de Matar (1988) e, depois, Lara Croft: Tom Raider (2003).

Incrível é pensarmos que foram necessários quatro sujeitos para dar vida à trama tão básica: John Matrix (Arnold) é ex-militar cuja filha é raptada por mercenários e parte para salvá-la dizimando uma ilha inteira. Um antepassado de Busca Implacável, com Liam Neeson?


Os bandidos atuam sob as ordens de um golpista, que deseja se tornar presidente de uma republiqueta das bananas fictícia chamada Val Verde. Matrix precisa assassinar o mandatário da pequena nação e ter a filha de volta.

Mark L. Lester, o diretor, não fez algo digno de nota na carreira – ok, dirigiu Massacre no Bairro Japonês (Showdown in Little Tokyo, 1991), que tinha Dolph Lundgren, Brandon Lee e Tia Carrere e passava sempre no Brasil. Aqui dá closes no bíceps suado de Schwarzenegger, o filma em contra-plongée (debaixo para cima) para revelar sua grandiosidade.

Acompanhamos Matrix carregando um tronco de árvore, saltando do avião em pleno voo, levantando e jogando uma cabine telefônica com gente dentro, levantando e jogando um automóvel! Ele é capaz, até, de sentir a aproximação do inimigo conforme a direção do vento!  Ensina a filha Jenny (Alyssa Milano, de carreira duradoura) a lutar – aí me lembrei de Leônidas ensinando o filho em 300.

Quando abre a boca, solta frases de efeito. Novamente, foram necessários quatro profissionais para desenvolverem o roteiro? Ou estavam tirando sarro mesmo?

– Você é engraçado. Gostei de você. Por isso vou matar você por último”, diz a um dos vilões.


Quando explica a  Cindy (Rae Dawn Chong), que o ajuda na empreitada, o motivo de tanta violência e que alguém deseja mata-lo, ela responde:

– Te conheço a cinco minutos e já quero matá-lo”.

Depois, em outra briga num quarto de motel, quando o algoz ressalta que foi boina verde, Matrix emenda:

– Eu com boinas verdes no café da manhã”.

Em outro momento, quando investigam a situação e tentam encontrar o paradeiro de John e sua filha, um soldado pergunta ao major general Franklin Kirby (James Olson):

– O que o senhor está esperando?

A resposta:

– A terceira guerra mundial.

Notem que, por Terceira Guerra Mundial, é UM homem enfrentando um exército de uma ilha.

Um ou outro ator até parece tentar levar a sério o trabalho. Mas Dan Hedaya (o golpista Arius) e mais ainda Vernon Wells (Bennett) abraçam a galhofa sem pudores. O segundo usa um figurino que mistura uniforme militar com traje sadomasô e exagera nas caras e bocas.

Orçado em US$ 10 milhões, Comando Para Matar faturou mais de US$ 57 milhões mundo afora. Traz o zeitgeist (espírito da época) e ajudou a alavancar a carreira de Arnold Schwarzenegger.

Comando Para Matar
Commando.
Estados Unidos. 1985.
Direção: Mark L. Lester.
Com Arnold Schwarzenegger, Rae Dawn Chong, Dan Hedaya, Vernon Wells, James Olson, David Patrick Kelly, Alyssa Milano, Bill Duke.
90 minutos.




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