Escola de Rock (School of Rock, 2003)



Não sei se com vocês é assim: tenho uma pequena lista de filmes para tempos sombrios ou para simplesmente momentos de relaxamento. Filmes que, quando batem a tristeza, o estresse, algum momento difícil, ou quando quero me “desligar” do mundo, me farão bem, sairei feliz. Dentro dessa pequena coleção encontra-se Escola de Rock.

Longe de ser uma obra seminal do cinema, é aquele tipo de história agradável, que pega em cheio especialmente para quem curte o gênero musical, entrega algumas mensagens, por vezes batidas, e tornou-se objeto de culto, sendo adaptado para a televisão em série de três temporadas no canal Nickelodeon.

Perdi as contas que vi essa produção. Ok, eu gosto de rock. Vez ou outra perguntam se eu, enquanto crítico de cinema, tive alguma vez vontade de fazer filmes. Sempre respondo que não. Verdade absoluta. Gosto de assisti-los e escrever sobre eles. Na música, porém, cheguei a tentar tocar, ter banda, entre o segundo colegial, como chamávamos, e a faculdade. Obviamente não passamos dos primeiros ensaios.

Também adoro filmes sobre professores. Daqueles em que os educadores transformam as vidas dos alunos, os inspiram. Uso frequentemente títulos desse estilo nos projetos de formação de público que realizei e realizo em escolas, ONGs, creches, associações de bairro, educação para adultos, etc.



Desde a maior referência Ao Mestre com Carinho (To Sir, with Love, 1967, de James Clavell), passando por Meu Mestre, Minha Vida (Lean on Me, 1989), de John G. Avildsen), Preciosa – Uma História de Esperança (Precious, 2009, de Lee Daniels), O Triunfo / A História de Ron Clark (The Ron Clark Story, 2006, de Randa Haines), O Grande Desafio (The Great Debaters, 2007, de Denzel Washington), e Escritores da Liberdade (Freedom Writers, 2007, de Richard LaGravenese), estes três últimos baseados em fatos. Em comum, todos trazem professores que ajudam a “libertar” seus pupilos, os ajudam a enxergar além, pensar “fora da casinha”. Neste sentido, Escola de Rock transcende o clichê de “filme roqueiro” ou “para roqueiros”.

O diretor Richard Linklater, apesar das cinco indicações ao Oscar, os mais de 100 prêmios, é um tanto subestimado. Seu currículo inclui trabalhos dos mais variados gêneros. Sempre destilando sensibilidade, competência visual. Nos faz pensar e nos diverte.

Iniciou a trajetória como diretor justamente com o rock, no documentário de curta-metragem Woodshock ‘85 (1985), sobre o caos do festival homônimo realizado em Austin, Texas. Eventualmente voltaria ao tema rock and roll em Jovens, Loucos e Rebeldes (1993); acompanharia décadas de um casal na trilogia Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr-do-Sol (2004) e Antes da Meia-Noite (2013); denunciaria o sistema de produção de lanches e tudo de ruim que ele implica em Nação Fast Food: Uma Rede de Corrupção (2006); e passaria anos filmando Boyhood: Da Infância à Juventude (2014), que arrebatou 174 prêmios.

Em Escola de Rock, Linklater filma a partir do roteiro de Mike White, também ator (escreveu e estrelou Por Uma Sentido na Vida, 2002, com Jennifer Aniston) e que aqui interpreta o colega de apartamento do protagonista. E chegamos à trama e ao seu principal ator, Jack Black.



Fã de rock, músico não lá dos melhores, amigo de Dave Grohl do Foo Fighters (tendo atuado em videoclipe do grupo), Black tem provavelmente a melhor atuação da carreira. Se entrega de corpo e alma ao viver Dewey Finn, cantor e guitarrista da banda No Vacancy, cujo objetivo é vencer um concurso musical.

Gosta de pular do palco (movimento conhecido como “mosh”), fazer solos de guitarra durante as apresentações. Ações consideradas antiquadas pelos colegas do conjunto, em palavras ditas por Theo, vivido por Adam Pascal, famoso nome da Broadway e de voz maravilhosa. Vejam o vídeo dele cantando Seasons of Love, de Rent, no Youtube. O cantor estaria na adaptação para o cinema do musical, em 2005, dirigida por Chris Columbus.

Finn divide o apartamento com Ned Schneebly (Mike White). Velhos conhecidos, tocaram juntos. Dewey seguiu o sonho de ser músico. Ned preferiu “tomar jeito”, principalmente por que namora a exigente Patty (Sarah Silverman, perfeitamente detestável). Virou professor.

Dewey é largadão, deve meses de aluguel e sofre um ultimato do casal: ou consegue o dinheiro para quitar a dívida, ou rua. Certa vez, o telefone toca. Ele atende. Ned conseguiu a vaga como professor substituto na renomada e elitizada escola Horace Green. Não pensa muito: aceita a vaga no lugar do amigo. Chegando ao colégio, conhece a temida diretora Rosalie Mullins (Joan Cusack, irmã de John Cusack, ótima e divertidíssima). Quando percebe o talento dos estudantes numa aula de música, vê a oportunidade perfeita: poderá montar a banda que sempre sonhou.



Black nos conquista desde o início. Atua com paixão, garra, carisma. Vale ressaltar: foi ele quem conseguiu, após insistir bastante, junto ao Led Zeppelin, os direitos do uso de Immigrant Song. A canção surge em cena memorável, dentro de uma van com o “professor” e seus pupilos empolgados.

O filme começa num plano-sequência com câmera subjetiva, aquela que nos coloca na visão de alguém. No caso um espectador que adentra ao pub (que nas paredes traz os letreiros iniciais do longa) onde está rolando a apresentação da No Vacancy. O ator traz energia e incorpora todos os trejeitos de um sujeito disposto a virar rock star. Prepara-se para um mosh e cai de cara no chão. Tem química com as crianças. Dewey é sonhador e meio cafajeste. Black passeia entre sensações e sentimentos facilmente.

Seu personagem representa milhares de marmanjos que vivem em seus próprios mundos. Querem alcançar seus objetivos. Dewey inspira a garotada. Inicialmente por egoísmo. Podemos acreditar que, durante a relação com a turma da classe, tenha descoberto sua real vocação. O roteiro nos apresenta essa dualidade: o protagonista chama outros roqueiros de “posers” (que não fazem o que fazem por amor à arte e sim por outros objetivos menos nobres). Prega que o rock é comportamento, se rebelar contra o “homem” (o status quo). Entretanto molda as crianças ao seu gosto: mostra vídeos com shows de grandes nomes do rock, ensina meninos e meninas a se mexerem tal qual os artistas consagrados.

Três momentos, em especial, me chamam a atenção todas as vezes que revejo o longa-metragem.


Quando, no ensaio, Dewey percebe que a banda formada pelos alunos está entrosada e finalmente tocando como uma única “unidade”. É a mesma sensação quando somos jovens, formamos um grupo musical com amigos e vemos o resultado da primeira música ensaiada. Há um brilho no olhar, uma sensação de orgulho, de sonho realizado.

Outras duas cenas envolvem conversas entre o professor e alunos. Todos têm educação rígida em casa. Os pais consideram o rock algo menor.

Uma das cenas traz ele falando ao tecladista Lawrence (Robert Tsai). O pupilo não se sente digno de estar na banda. Não é descolado, cool. O educador explica algo mais ou menos assim: “Não importa o quanto feio ou patético alguém seja. Se está numa banda de rock, todos vão querê-lo”. Não é verdade? Poderíamos lembrar que, no futebol ou muitos que alcançam a fama de determinada maneira, seja assim. Você acha que Neymar namoraria beldades não fosse futebolista famoso e milionário?

Tomika (Maryam Hassan) primeiro evita dizer que sabe cantar na primeira seleção feita por Dewey para definir a função de cada estudante no “projeto”. Após demonstrar o talento e a linda voz, hesita em subir ao palco na cena final. Considera-se gorda. O professor outra vez explica usando Areta Franklin como exemplo: “Você tem algo que todos gostariam de ter. Talento. Areta é uma ‘big lady’, mas quando abre a boca, arrasa”.

Nesse momento Dewey foi transformado pelos alunos e os transformou.

Com elenco entrosado (adultos e crianças, maravilhosos) e mesmo repleto de clichês (sabemos os caminhos da história, afinal vimos tantos filmes sobre superação: Mudança de Hábito, 1992, o próprio citado O Grande Desafio), Escola de Rock faz jus ao título.

Apresenta durante toda a trama canções marcantes do rock, de todas as épocas. Dewey, inclusive, dá aulas de história e teoria do rock e podemos ver, na lousa, uma espécie de organograma destacando todos os subgêneros, os ídolos, misturando informação e humor:  o guitarrista mirim Zack (Joey Gaydos Jr.) compõe e não quer mostrar a música aos colegas, quando Finn o chama de Kurt Cobain. Ironia fina para entendidos.

No Brasil houve até universidade imitando a obra e criando curso superior de rock. Um filme leve, solto, divertido, nostálgico, cultuado e que jamais me cansarei de rever.

Escola de Rock
School of Rock.
Estados Unidos, Alemanha. 2003.
Direção: Richard Linklater.
Com Jack Black, Mike White, Joan Cusack, Sarah Silverman, Adam Pascal, Miranda Cosgrove, Joey Gaydos Jr., Robert Tsai, Kevin Alexander Clark, Maryam Hassan, Caitlin Hale.
109 minutos.




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