Casablanca (1942), de Michael Curtiz

 



O cinema muitas vezes é a arte do acaso. Se duvida, veja o caso de Casablanca, talvez o melhor filme a sair da fábrica de ilusões, que em sua origem era apenas mais uma produção de rotina, com o roteiro feito às pressas, o elenco escalado por acaso e o diretor sem a menor noção de que o projeto poderia dar certo.

A começar pelo próprio nome, foi inteiramente rodado nos estúdios da Warner. Originalmente, era uma peça inédita, nunca montada, chamada Everybody Comes to Rick's, e a Warner designou três roteiristas para trabalhar na adaptação. Um deles, Julius J Epstein, que faleceu em 2001, contava que as páginas do script eram escritas dia a dia, rodadas em ordem cronológica, de tal forma que os atores tinham que decorá-las às pressas e sem ter noção de como seria o final. Com quem iria ficar Ingrid Bergman: Humphrey Bogart ou ou Paul Henreid? A própria atriz se confessava confusa.

O filme tinha também um papel patriótico, porque era a época da Guerra e era preciso condenar o nazismo e o governo francês colaboracionista de Vichy, representado aqui com muita ironia pelo inspetor Claude Rains (ele tem uma frase famosa: "Mande prender os suspeitos de costume"). O estúdio hesitou muito em escolher o elenco, chegaram em pensar em alternativas tão absurdas como Heddy Lammar, a futura "Dalila" e o cantor Dennis Morgan, dentre muitos outros. Por sorte, foi formada a dupla Bogart e Bergman, a única vez em que trabalharam juntos, inconscientes da química que havia entre eles.



Também a música tema do filme não era inédita, foi composta em 1931, e, por isso,  As Time Goes By nunca pôde concorrer ao Oscar. Aliás, quase cortaram a canção do filme por insistência do autor da trilha, Max Steiner. E isso só não aconteceu porque Ingrid havia cortado os cabelos para outro filme (Por quem os Sinos Dobram) e não era possível mais refilmar certas cenas chaves da fita. Dooley Wilson, que faz o pianista, era cantor. Mas curiosamente não sabia tocar o piano, que foi dublado por Elliot Carpenter.

Na época, o filme foi ajudado porque, justamente no momento de sua estréia, as tropas aliadas tomaram a cidade de Casablanca, e acabou levando um inesperado Oscar de Melhor Filme, Direção, para o húngaro Michael Curtiz, e Roteiro. Mas depois foi esquecido e só nos anos 60 é que passou a ser revalorizado. Assim é que descobriram seus diálogos, que são dos mais brilhantes que o cinema já teve. Às vezes com um senso de humor ácido (perguntam a Bogart porque ele veio para Casablanca. "Por causa das águas", ele responde. "Mas estamos no meio do deserto!" - "Fui mal informado", ele conclui), com expressões que se tornaram clássicas e intraduzíveis (quando ele diz brindando "Here's looking at you Kid"), com frases poéticas ("Nós sempre teremos Paris", ou a que diz "Você usava azul e os alemães usavam cinza"). Sem esquecer seu final clássico e super imitado, que teria sido rodado em apenas uma única tomada. E que, na verdade, tem uma conclusão ambígua se a gente prestar atenção no diálogo que pode sugerir uma ligação até homossexual entre os dois ("Meu caro Louie, este é o começo de uma bela amizade!").



Casablanca é um perfeito exemplo do melhor cinema de Hollywood. Excelente cenografia, fotografia expressionista, grandes atores (em particular os coadjuvantes), grande roteiro. Na época, Hollywood estava a serviço de uma causa, daí desculpar-se certos discursos a favor da liberdade (embora o duelo de hinos ainda seja comovente e não falte ao filme uma boa dose de ironia).

Antes de tudo, é um perfeito exemplo de como se contar uma história, com começo, meio e fim, e motivação. Prova também que cinema é um meio de atores, não há um coadjuvante, um extra que não tenha uma cara expressiva, quando não são verdadeiros monstros sagrados transbordando talento. Desde Peter Lorre, Sidney Greenstreet, S Z Sakall (o garçom), o excepcional Conrad Veidt, de Caligari como chefe nazista, e o antigo "Homem Invisível" Claude Rains. A única exceção seria Paul Henreid, mais do que compensado pelos outros. Bogart não poderia ser mais moderno, contemporâneo, e Ingrid não poderia ser mais linda. Uma aula de cinema, documento de uma época.

Curiosamente tem pouco a ver com a inexpressiva cidade marroquina (que como o nome indica é toda pintada de branco). Como sempre, Hollywood deformava a realidade, mostrando a vida não como ela é, mas como deveria ser.

Ficha técnica:

Título original: Casablanca
Título no Brasil: Casablanca
Ano de lançamento: 1942
País de produção: Estados Unidos
Diretor: Michael Curtiz
Roteirista: Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e Howard Koch
Diretor de fotografia: Arthur Edeson
Trilha sonora: Max Steiner
Elenco:
- Humphrey Bogart (Rick Blaine)
- Ingrid Bergman (Ilsa Lund)
- Paul Henreid (Victor Laszlo)
- Claude Rains (Capitão Louis Renault)
- Conrad Veidt (Major Heinrich Strasser)
- Sydney Greenstreet (Signor Ferrari)
- Peter Lorre (Ugarte)
- Dooley Wilson (Sam)
Duração: 102 minutos

Principais prêmios:
- Venceu o Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor (Michael Curtiz) e Melhor Roteiro Adaptado (Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e Howard Koch).



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