Assim como o livro de bolso de Robert Harris que lhe dá origem, Conclave é um thriller ágil e fascinante, repleto de intriga e mistério. Em tempos em que best-sellers carregados de enredo são estendidos em séries de dez episódios, muitas vezes diluindo seu impacto, é revigorante ver Edward Berger (Nada de Novo no Front) transformar essa história em um filme enxuto e intenso, com pouco mais de duas horas de duração.
O cinema, independentemente de sua ambientação – seja no passado distante, em um futuro incerto, em um universo alternativo ou fantástico – sempre reflete o momento da sociedade. E Conclave não foge à regra. A trama, que gira em torno da escolha de um novo papa, é um reflexo direto do embate global entre o reacionarismo e os avanços naturais de uma sociedade que busca ser mais justa e inclusiva. A disputa no Vaticano é um espelho do que acontece no planeta hoje, com líderes como Donald Trump nos EUA, Javier Milei na Argentina, Jair Bolsonaro no Brasil, Benjamin Netanyahu em Israel e Viktor Orbán na Hungria representando forças que tentam puxar o mundo de volta a um passado sombrio.
No filme, após a morte do papa, o cardeal Lawrence (Ralph Fiennes) precisa liderar um conclave secreto para eleger um sucessor. Ele se vê envolvido em uma disputa entre o liberal Bellini (Stanley Tucci), o poderoso estadunidense Tremblay (John Lithgow), o popular nigeriano Adeyemi (Lucian Msamati) e o inesperado Benítez (Carlos Diehz), vindo de Cabul. Mas a maior ameaça está no reacionário Tedesco (Sergio Castellitto), um homem que, em nome da fé, busca jogar a Igreja – e o mundo – de volta ao caos, usando o nome de Jesus em vão.
A ironia é que Jesus andava com mendigos, prostitutas e marginalizados, sem jamais pedir dinheiro ou explorar a fé alheia. E são justamente as falas do cardeal Benítez que sintetizam a essência da mensagem do filme. Seu discurso é um sopro de lucidez em um cenário dominado por jogos de poder e hipocrisia.
O roteiro de Peter Straughan (O Espião que Sabia Demais) equilibra suspense e humor sutil, transformando reuniões fechadas em debates eletrizantes sobre o papel da Igreja no mundo moderno. Algumas referências políticas arrancaram risadas cúmplices na estreia em Toronto, mas o filme não força analogias. Ele confia no peso natural da eleição e na tensão de uma decisão que moldará o futuro do catolicismo (mundo?).
Com um elenco de peso, Conclave se apoia na força dos atores. Ralph Fiennes entrega uma performance contida e magnética, enquanto Stanley Tucci e John Lithgow brilham em papéis opostos. Isabella Rossellini, mesmo em poucas cenas, rouba a atenção no papel de freira observadora e sagaz.
Berger mantém o ritmo dinâmico, evitando a rigidez que poderia acompanhar um filme sobre homens discutindo em salas fechadas. Depois do sucesso com seu épico de guerra, Conclave reforça a habilidade do cineasta de transformar dilemas morais e políticos em um espetáculo cinematográfico envolvente.
E o desfecho? Qualquer pessoa de bom coração, seja cristã ou não, ficará feliz com ele. Já quem não gostar, bem… provavelmente é um Tedesco da vida, e esses não merecem respeito.
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