Wall-E (2008) e o encontro entre Chaplin e Kubrick


Por André Azenha 

Em 1994, estava em andamento a produção do primeiro longa-metragem inteiramente produzido por computação gráfica, nos estúdios da então novata Pixar (que pertence à Disney). Empolgado com os resultados do que viria a se tornar o inovador Toy Story, o chefe criativo da empresa, John Lasseter, convocou os três principais subordinados para um almoço lendário. Em uma tarde, o quarteto formado por John mais Andrew Stanton, Pete Docter e Joe Ranft debateu, como numa conversa de bar, as ideias de muitos dos filmes que fariam sucesso nos anos seguintes.

Os primeiros rascunhos de Vida de Inseto (1998), Monstros S/A (2001) e Procurando Nemo (2003) ganharam vida naquele encontro. A primeira fagulha inicial de Wall-E também surgiu naquela tarde, devido à imagem de um robô vivendo sozinho numa Terra sem humanos.

Aos poucos, Stanton desenvolveu o projeto. A paixão entre dois seres mecânicos, produzidos em um intervalo de 700 anos e tendo um planeta devastado como pano de fundo levou 14 anos para sair do papel e teria sua première em 21 de junho em Los Angeles – no Brasil o filme seria lançado seis dias depois. O resultado foi simplesmente arrebatador: um espetáculo cinematográfico que tem tudo para agradar pessoas de todas as idades. Wall-E – cuja sigla vem de Waste Allocation Load Lifter – Earth-Class – é Chaplin encontrando Stanley Kubrick.

Ben Burtt in WALL·E (2008)

Dirigido e escrito por Stanton, é uma superprodução de US$ 120 milhões. Com um roteiro certeiro, direção de arte espetacular, ótima trilha sonora, utilizando muito mais uma comunicação física do que propriamente diálogos, através de dois personagens “fofinhos”, a produção é uma delícia para todos os sentidos e sentimentos. Reúne bom humor, inteligência, sensibilidade e alguma dose de ironia.

A trama começa dando um recado: após entulhar a Terra de lixo e poluir a atmosfera com gases tóxicos, a humanidade deixou o planeta e passou a viver em uma gigantesca nave. O plano era que o retiro durasse alguns poucos anos, com robôs sendo deixados para limpar o planeta. Wall-E, o protagonista, é o último destes seres mecânicos, que se mantém em funcionamento graças ao auto conserto de suas peças. Sua “vida” consiste em compactar o lixo existente no globo, que forma torres maiores que arranha-céus. A única companhia que tem, por assim dizer, é uma barata destrambelhada. Mas um dia surge repentinamente uma nave, que traz um novo e moderno robô: Eva. A princípio curioso, Wall-E desenvolve aos poucos um sentimento pela robozinha.

Ben Burtt and Elissa Knight in WALL·E (2008)

A mensagem ambiental está lá, moderada. O espectador percebe o perigo de maltratar a natureza e logo em seguida é apresentado à uma história de amor, com o melhor das comédias românticas e ainda dissertando pequenas – e divertidas – insinuações.

Primeiro, o personagem principal é desajeitado, e sempre que se encontra em perigo é Eva quem toma a dianteira e vai literalmente à luta. A dependência do ser humano à tecnologia também é satirizada de forma impagável. Sabem aquelas pessoas que, ao invés de irem andando até a padaria da esquina, preferem se locomover de carro por pura preguiça? Multipliquemos isso por mil e temos os homens e mulheres do futuro mostrados aqui.

Já a forma como o casal se relaciona é de encher os olhos. Claro, os dois são humanizados como aconteceu em O Homem Bicentenário e Eu, Robô. Ao contrário dessas produções, eles quase não falam. Todas as expressões se dão através dos olhos de Wall-E e da “boca” de Eva.

E do mesmo jeito que ocorre com adolescentes ingênuos que estão descobrindo o amor, a forma como eles demonstram o sentimento é buscando a mão do outro. Recheado de referências a clássicos da ficção-científica (principalmente 2001: Uma Odisseia no Espaço, o espectador dificilmente passa mais de um minuto sem sorrir e ainda é apresentado à barata mais carismática da história.

Ben Burtt in WALL·E (2008)

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