Por André Azenha
Surgimento do herói
He-Man é sui generis na cultura pop. Ao contrário de outras franquias de sucesso como Star Wars e Batman 66, originadas de filmes ou das histórias em quadrinhos e transformadas em linhas de brinquedos, o herói de Eternia surgiu em 1982 diretamente para as lojas.
Breve retrospectiva histórica: em 1976 a Mattel recusou fabricar a coleção de Star Wars, cujo filme arrebataria os cinemas do mundo um ano depois. A Kenner conseguiu os direitos da marca e vendeu horrores dos bonequinhos da saga, tornando milionário seu criador George Lucas.
Mattel e Kenner são gigantes da indústria de brinquedos, tal qual a Hasbro. Coube a primeira correr atrás da concorrência e desenvolver seu produto. Mais dessa história estão em duas obras audiovisuais disponibilizadas no Netflix: o documentário A Força de Grayskull: A História de He-Man e os Mestres do Universo (Power of Grayskull: The Definitive History of He-Man and the Masters of the Universe, 2018, de Randall Lobb e Robert McCallum) e, do mesmo ano, um episódio da série Brinquedos que Marcam Época (The Toys That Made Us).
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Ascensão e queda
De trajetória meteórica, ao menos nessa primeira fase da franquia, He-Man e os Mestres do Universo reinou no segmento: rendeu à empresa US$ 38,2 milhões em 1982. Heróis e vilões chegavam ás mãos da criançada acompanhados de histórias em quadrinhos. Era preciso um universo, um enredo, para que os pequeninos se sentissem atraídos e saberem quem era quem na hora de brincar.
Não tardou e veio o desenho animado He-Man e os Defensores do Universo (He-Man and The Masters Of The Universe), produzido pela Filmation de Lou Scheimer, concorrente da Hanna-Barbera e responsável por animações do Shazam, Superman (e outras criações da editora DC Comics), Super Mouse, Tom & Jerry, Star Trek, Flash Gordon e tantos outros. Foram 130 episódios exibidos entre 26 de setembro de 1983 e 8 de dezembro de 1985, um spin off (She-Ra: A Princesa do Poder) e virou febre entre a garotada.
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Estourou no Brasil, via TV aberta. Grupos que animavam aniversários de crianças passaram a inserir He-Man em meio Batman, Mulher-Maravilha, Superman e os Super Amigos. O grupo musical Trem da Alegria gravou uma canção que nos empolgava. As duas principais editoras de quadrinhos dos Estados Unidos publicariam gibis do personagem. Ele enfrentaria até o Superman. Em 1986 o defensor de Eternia aportaria nos cinemas brasileiros com O Segredo da Espada Mágica. Tratava-se, na verdade, de uma compilação de cinco episódios originalmente lançados na tevê norte-americana em 1985: Into Etheria, Beast Island, She-Ra Unchained, Reunions e Battlle for Bright Moon. Eles apresentavam a irmã gêmea de Adam/He-Man, Dora/She-Ra e o planeta Etéria.
Esse tipo de jogada dos distribuidores e das salas de projeção por aqui não eram raros. Atrações da televisão nos Estados Unidos chegavam ao Brasil com o status de estreias cinematográficas. Algo parecido aconteceu com o Homem-Aranha dos anos 1970, que teve episódios reunidos e lançados no formato longa-metragem nos cinemas.
Nós, crianças, adorávamos. Não havia a percepção do que seria produto para a telona ou voltado à telinha e as diferenças de qualidade da animação, movimentos, enquadramentos, etc. Transformers: O Filme, este sim feito para a tela grande, também de 1986, foi um acontecimento. Sem internet, celulares, tínhamos como opções irmos ao cinema ou nos reunirmos em frente à televisão em casa.
Por isso que, para mim, o primeiro He-Man da telona era o de O Segredo da Espada Mágica. Revisto décadas depois ficam explícitos seus problemas. Atualmente seria bem difícil essas animações chegarem às salas de projeção tamanhos os avanços alcançados pelo segmento e o padrão que o público infantil está acostumado.
Em 1986, a Mattel arrebataria US$ 400 milhões com os brinquedos e, em 1987… “apenas” US$ 7 milhões. Queda e tanto. Tem quem justifique esse caminho desfiladeiro abaixo a outro produto gerado pela marca neste ano: o longa-metragem live action Mestres do Universo.
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O filme
Um filme sobre o He-Man que mirava o grande público acostumado ao desenho animado da televisão e que pouco tinha da animação! Não há Príncipe Adam nem Gato Guerreiro, pouco vemos Eternia e a maior parte da trama é ambientada na Terra.
Há explicação. A produção era assinada pela Cannon Filmes, dos primos israelenses Menahem Golan e Yoram Globus, responsáveis por algumas “pérolas”, especialmente dos anos 80 e que marcaram a infância de uma geração. A política da empresa: usar o menor orçamento possível e tentar arrecadar o máximo.
Assim, não faltavam produções B que pegavam carona em sucessos e temas recorrentes do momento: Cults tipo American Ninja (1985) e O Grande Dragão Branco, de 1988 (herdeiros das tramas de kung fu), Superman IV: Em Busca da Paz (1987, que enterrou momentaneamente a saga do Homem de Aço na sétima arte), as continuações da série Desejo de Matar (com Charles Bronson), Gyborg: O Dragão do Futuro (1989, mistura de Mad Max 2 sem carros com O Exterminador do Futuro e artes marciais), o Rambo genérico Braddock, As Minas do Rei Salomão (1985) e Allan Quatermain e a Cidade do Ouro Perdido (1986, na onda de Indiana Jones) e por aí vai.
![Frank Langella in Masters of the Universe (1987)](https://m.media-amazon.com/images/M/MV5BYjIxODBiMGYtZTQ4Yi00MDZmLWFiZDctNjcxZDBkY2VhMGZhXkEyXkFqcGdeQXVyMjM5MjU4NDM@._V1_SY1000_CR0,0,1467,1000_AL_.jpg)
Astros que foram ou seriam do primeiro time de Hollywood se aventuraram pela produtora: Sylvester Stallone, Charles Bronson, Sharon Stone, Christopher Reeve. Em alguns casos, a estratégia dava certo. Só que Mestres do Universo se revelou fiasco de público e crítica.
Brinquedo é brinquedo, gibi é gibi, filme é filme. Não faltam exemplos de obras cinematográficas inspiradas em mídias diferentes e que não foram exatamente fieis ao material original e, mesmo assim, resultaram em bons trabalhos. Constantine (2005) e até a trilogia do Batman, de Christopher Nolan, tomam várias liberdades em relação aos quadrinhos. Nem por isso deixam de ter suas qualidades. Mesmo o desenho animado do He-Man surgiu bem diferente daqueles gibis que acompanhavam os bonequinhos. Mas se garantia por que acertava em cheio o público alvo, trazia lições de aprendizado ao fim, tinha leveza e humor, apesar de tecnicamente ser limitado.
Mestres do Universo chegou desconectado do desenho animado e da linha de brinquedos. Eu, criança, estranhei tantas diferenças. He-Man de capa vermelha tipo Superman? Parece mais um precursor dos 300, graphic novel de Frank Miller (lançada em 1998) transformada em filme por Zack Snyder 11 anos depois. E o Gorpo, a criaturinha flutuante que se atrapalhava ao fazer mágicas? Deu lugar a um ser esquisito e sem carisma, Gwildor, mistura de duende, Hobbit, Ewok e Fofão que não saía do chão.
![Dolph Lundgren and Frank Langella in Masters of the Universe (1987)](https://m.media-amazon.com/images/M/MV5BZjU3NjNjYTgtNTFmNy00Mzc1LWI1ZGMtNzEzMTRiODBiYjFlXkEyXkFqcGdeQXVyMjM5MjU4NDM@._V1_SX1559_CR0,0,1559,999_AL_.jpg)
No planeta Eternia, o exército de Esqueleto (Frank Langella) invade o Castelo de Grayskull e captura sua protetora, a Feiticeira (Christina Pickles). O vilão planeja unir o poder dela ao dele no próximo nascer da lua. He-Man (Dolph Lundgren), Mentor (Jon Cypher), e sua filha Teela (Chelsea Field) resgatam Gwildor (Billy Barty) das forças do mal.
Gwildor revela que o “cara de caveira” adquiriu sua invenção: uma Chave Cósmica capaz de abrir portal para qualquer lugar a partir de suas teclas sonoras. O dispositivo foi roubado pela segunda em comando da trupe golpista, Maligna (Meg Foster).
Com o protótipo restante de Gwildor da Chave em mãos, He-Man e os amigos rumam ao Castelo, tentam libertar a Feiticeira, são dominados pelos rivais e forçados a fugir pelo portal e acabam chegando à Terra. A Chave é perdida na chegada e descoberta por dois adolescentes de Nova Jersey, Julie Winston (Courteney Cox) e seu namorado, Kevin Corrigan (Robert Duncan McNeill).
Quando vemos Eternia, nas cenas em que um holograma de Esqueleto volta e meia surge para ameaçar a população, presenciamos um planeta praticamente deserto com meia dúzia de gastos pingados fazendo figuração.
![Meg Foster and Frank Langella in Masters of the Universe (1987)](https://m.media-amazon.com/images/M/MV5BZTY2NDU3MzMtZmNkYS00OTQwLWJhZTgtZjI0ZmUyOWQzYjczXkEyXkFqcGdeQXVyMjM5MjU4NDM@._V1_SX1508_CR0,0,1508,999_AL_.jpg)
Bill Conti, compositor de trilhas conhecidas como as da franquia Rocky e de Karatê Kid, aqui é menos original e emula John Williams em Star Wars. Perdeu a chance de incluir o tema clássico do desenho de Haim Sabab e Shuki Levy. Novamente a comparação com a saga de George Lucas é inevitável. Mestres do Universo não deixar de ser, também, um genérico da jornada de Luke Skywalker e companhia. A figurinista Julie Weiss, duas vezes indicada ao Oscar por Os 12 Macacos (1995) e Frida (2002) faz dos soldados de Esqueleto praticamente cópias do Stormtroopers de Guerra nas Estrelas, trocando o branco destes últimos pelo preto de Darth Vader.
David Odell, roteirista de Supergirl (fracasso de público e crítica de 1984) e vencedor do Emmy pelo seu trabalho no programa televisivo O Show dos Muppets (1986), se virou como pôde. Tenta dar dramaticidade à história. Julie (Courteney Cox), perdeu os pais num acidente aéreo. Confesso que presenciar uma situação destas, ainda criança, era chocante e até pavoroso. Dava um medo tremendo de que algo parecido pudesse acontecer em minha família.
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![Star Wars trilogy to be screened at Hatfield House | Welwyn ...](https://www.whtimes.co.uk/polopoly_fs/1.4609617!/image/image.jpg_gen/derivatives/landscape_630/image.jpg)
Foi um dos primeiros trabalhos de Cox, que depois brilharia nos papeis de Monica na série Friends – a mãe da personagem é vivida por Christina Pickles (a Feiticeira aqui), no seriado -, e Gale na franquia de terror Pânico.
Colegas críticos reclamam dos adolescentes na trama. Kevin é uma mala sem alça, é verdade. Por outro lado, eu nos meus sete, oito anos de idade enxergava neles a chance de participar diretamente da aventura. Na escola sempre que brincávamos, queríamos estar na ação, dividir o protagonismo com os heróis. Esse fator e a ambientação no subúrbio, na cidade pequena, longe do caos do centro, com o ginásio escolar e as casas, é item recorrente na filmografia dos anos 1980 e permite que fatos fantásticos ocorram sem chocar o mundo. Lição aprendida e repetida pela série Stranger Things.
Meg Foster, a Maligna, e seu olhar penetrante nos assustavam. Existe quem pensa que a atriz usou lentes de contato. Ledo engano. São seus olhos reais, claros, vibrantes. Frank Lengella, ator excepcional de teatro e cinema, adota o tom galhofa típico de vários vilões oitentistas.
O detetive Lubic (James Tolkan) é o sujeito odioso, que tenta frear a jornada dos mocinhos, ao estilo do diretor da escola em Curtindo a Vida Adoidado (1986) ou tantos policiais envolvidos em fábulas vistos em filmes e séries desde sempre.
![Courteney Cox and Jon Cypher in Masters of the Universe (1987)](https://m.media-amazon.com/images/M/MV5BZDQ0ZWJmYWUtOTJiMC00OGIxLThkMjQtMjQ4YmM5YjZkMTZmXkEyXkFqcGdeQXVyOTc5MDI5NjE@._V1_SX1777_CR0,0,1777,999_AL_.jpg)
Já o sueco Dolph Lundgren recebeu a chance de protagonizar uma produção que deveria ser popular. Antes possuía somente dois longas-metragens na carreira: uma participação em 007: Na Mira dos Assassinos (1987) e chamou atenção ao encarnar o pugilista soviético Ivan Drago em Rocky IV (1985).
Produtores pensaram em dublá-lo, mas acabaram deixando a voz verdadeira do ator. Mesmo jamais sendo um grande intérprete e repetindo frequentemente as mesmas expressões, soando por vezes canastrão, deu vida a várias figuras cultuadas no universo pop e produções que marcaram de certa maneira a infância de quem cresceu entre os anos 1980 e 1990: foi o Justiceiro no primeiro filme do anti-herói da Marvel em 1989, o Sargento Chris Kenner em Massacre do Bairro Japonês (1991, com o filho de Bruce Lee, Brandon, e Tia Carrere, um dos meus cruchs na adolescência), Andrew Scott em Soldado Universal (1992, com Van Damme), Gunner na franquia Os Mercenários (quando reencontrou outros astros do cinema “brucutu”) e o Rei Nereus no blockbuster Aquaman, baseado nas histórias em quadrinhos da editora DC Comics. Carreira a qual ele não pode reclamar se pensarmos no talento limitado e o que alcançou.
Em Mestres do Universo ele surge normalmente musculoso e inexpressivo. Mesmo as cenas de ação são filmadas de forma econômica, sem muita criatividade pelo diretor Gary Goddard, que jamais voltaria a assinar a direção de um longa-metragem!
![Meg Foster in Masters of the Universe (1987)](https://m.media-amazon.com/images/M/MV5BNDA5N2MyMTAtOTA2OS00YzQwLThkNGUtZmQ5ODU5YTYyMjE5XkEyXkFqcGdeQXVyOTc5MDI5NjE@._V1_SX1777_CR0,0,1777,999_AL_.jpg)
O lendário desenhista e roteirista dos quadrinhos John Byrne comparou o filme aos Novos Deuses, criação de outro gênio das HQs, Jack Kirby, na DC Comics. Goddard concordou e acrescentou como influência para seu trabalho o trabalho de Kirby na Marvel.
Os efeitos visuais soam datados, mas na época deram conta do recado especialmente ante o público infantil. Nas cenas em miniatura ambientadas na Terra foram reutilizados alguns edifícios de Blade Runner: O Caçador de Androides (1982) e Os Caça-Fantasmas (1984).
A Cannon apostava no sucesso da obra, tanto que foi escrito um roteiro intitulado Masters of the Universe 2: Cyborg. A continuação acompanharia He-Man de volta à Terra, transformada em território pós-apocalíptico por Esqueleto. Albert Pyun seria o diretor. Orçado em US$ 22 milhões, Mestres do Universo naufragou ao arrecadar menos, US$ 17 milhões. A Mattel e a Cannon desistiram do segundo filme, que virou o tal Cyborg: O Dragão do Futuro (1989), estrelado por Jean-Claude Van Damme. Conforme escrito anteriormente, mesclava elementos de Mad Max 2 e O Exterminador do Futuro, sem carros. Nos cenários estavam ainda elementos que seriam usados numa produção do Homem-Aranha que a produtora tentou realizar.
Por volta de 2015, numa pré-estreia de Presságios de um Crime (estrelado por Anthony Hopkins), o diretor brasileiro (e santista) Afonso Poyart confessou ter em mãos um roteiro para um novo filme do He-Man e disse que o material era repleto de absurdos. Pena. Ainda aguardamos a versão definitiva do defensor de Eternia nas telonas.
Mestres do Universo
Masters of the Universe
Inglaterra, Israel. 1987.
Direção: Gary Goddard.
Com Dolph Lundgren, Frank Langella, Meg Foster, Billy Barty, Courteney Cox, Robert Duncan McNeill, Jon Cypher, Chelsea Field, James Tolkan.
106 minutos.
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![Masters of the Universe (1987)](https://m.media-amazon.com/images/M/MV5BMjJlMjJmNjQtNjYyMi00ODI1LWJhOWEtNjE5NWEwZDUwZmFiXkEyXkFqcGdeQXVyNDQxNjcxNQ@@._V1_SX1777_CR0,0,1777,999_AL_.jpg)
![Robert Duncan McNeill and Courteney Cox in Masters of the Universe (1987)](https://m.media-amazon.com/images/M/MV5BMjg2NWRjMjEtZmM2NS00MWU0LTk3ZWUtNWVhMWU0N2Q1ZjkxXkEyXkFqcGdeQXVyMDI4NjM1MQ@@._V1_SY1000_CR0,0,1545,1000_AL_.jpg)
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